Desde abril do ano passado, o governo federal já registrou 164 casos parecidos em todo o país. Este ano, já foram registrados 54. Em Sobral, cidade distante 230 km de Fortaleza, o problema é tão complexo, que chegou a atingir o mercado imobiliário, desvalorizando em até 30%, os imóveis localizados nas proximidades do novo conjunto.
A presidente Dilma Rousseff minimizou o problema, ao entregar casas em Feira de Santana (BA), na última semana. “Um defeito aqui, outro defeito ali”, relatou durante seu discurso. Mas em Sobral, com apenas seis meses, o conjunto Novo Caiçara, já é considerado um dos bairros mais perigosos do município, chegado a ser chamado de “carandiru”, pelos próprios moradores e também pela polícia. O alto índice de violência, a presença de facções rivais, o consumo e tráfico de drogas, começou a expulsar famílias que já estão procurando a Caixa Econômica Federal para negociar a desistência do contrato de financiamento assinado. Os beneficiados pagam 25 reais por mês durante cinco anos.
HOMICÍDIO
No último dia 13 de fevereiro, o jovem Wislei Araújo de Sousa 13, foi morto com vários tiros, por dois homens numa motocicleta. Ele estava confeccionando uma pipa, contou sua mãe. Dona Lúcia revelou que muitas mães estão indo embora do conjunto porque tem filhos marcados para morrer. Ela contou ainda, que a prefeitura prometeu prestar assistência e acompanha-los de perto por 12 meses, mas foram abandonados. Testemunhas contam que Wislei foi morto por engano. O crime assustou as 1.104 famílias que ali residem há seis meses. Segundo a prefeitura, outros 2.200 apartamentos ainda serão entregues, no mesmo conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida em Sobral. Mas muitas famílias estão desistindo de ir morar nas casas do programa, depois da morte do jovem em fevereiro.
Na última sexta-feira 27, pelo menos um dos blocos do Novo Caiçara alagou após uma forte chuva. Cerâmicas estão soltando nos banheiros, o salão de eventos foi destruído e pichado por vândalos. Brinquedos quebrados, quadra dominada por gangues, rachaduras nas paredes, esgotos estourados, todos os extintores já foram roubados, tubulações de cobre que deveriam levar o gás de cozinha até o fogão, também estão sendo roubados. Outro grave problema é a falta de assistentes sociais e de profissionais do CAPS AD, para acompanhar as crianças que passam o dia cheirando cola na frente de estudantes e famílias inteiras, A soma de problemas tem causado muita preocupação para a prefeitura e para os órgãos de segurança pública desse município, mas nada vem sendo feito.
Há duas semanas, um grupo de aproximadamente 50 famílias invadiram terras públicas e privadas no bairro Recanto II. Elas relatam que aguardam ser chamadas pelo programa há quatro anos e denunciaram fraudes no processo de seleção. “Aqui em Sobral eles escolhem pela cara”, gritava uma manifestante. A prefeitura chegou a oferecer apartamentos no Novo Caiçara, mas ninguém aceitou a proposta, alegando a violência instalada no local.
Além desses problemas, as invasões e até expulsão de moradores dos imóveis começaram a surgir pelo país. O governo federal registrou 164 denúncias do tipo desde abril de 2014. Só este ano, foram 54 registros.
O pedido de socorro, não vem só do Novo Caiçara do Minha Casa Minha Vida, em Sobral. Outros 15 estados estão sofrendo o mesmo problema. No ranking de denúncias, Brasília está em primeiro lugar, o Rio de Janeiro fica em segundo lugar, com 17 registros, só perdendo para a Bahia. Em Sobral, há famílias inteiras intimidadas pelas ações dos criminosos. “Eu tenho um filho marcado para morrer, se eu for morar no Novo Caiçara eu vou perder o meu filho”, conta uma mãezinha que desistiu de assinar o contrato com a CEF.
O pedreiro Antônio da Silva Barbosa, é um dos beneficiados pelo programa em Sobral. Ele se diz arrependido de ter deixado sua casa no bairro Terrenos Novos, onde pagava 250 reais de aluguel. “Eu juro por Deus que me arrependi. Minha esposa está tentando negociar a desistência do contrato com a Caixa Econômica. Eu morava numa favela, mas lá, bandido respeitava a gente e os meus filhos podiam brincar na calçada”, desabafou. Ele conta ainda que um de seus filhos já foi expulso dos brinquedos sob ameaça de um drogadito com um espeto de madeira na mão.
O Ministério da Justiça, que centraliza as denúncias, confirmou que vem recebendo as reclamações. Há casos de invasões, expulsões, tráfico e outros problemas graves de segurança em projetos do Minha Casa Minha Vida no Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Maranhão, Santa Catarina, Pará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Acre e Paraíba, além de Rio de Janeiro e Bahia. A pasta deu o ranking, mas não informou o número de denúncias por estado, com exceção do Rio.
Em Goiás, o procurador da República Ailton Benedito de Souza, integrante do Ministério Público Federal que acompanha denúncias sobre o Minha Casa Minha Vida, diz que cada estado tem suas peculiaridades.
No Rio, as pessoas são expulsas pelo tráfico e por milícias. Em Sobral, os moradores do Novo Caiçara, não querem permanecer em locais com forte presença de venda de drogas, consumos de entorpecentes abertamente, frequentes roubos, vandalismo, e facções rivais que foram colocadas para morar no mesmo conjunto, o que acaba fazendo muitas famílias se mudarem, comentou um oficial da polícia militar. Já no Jatobá I e II, a convivência entre vizinhos e o tráfico de drogas é o que mais tem incomodado — Como não há possibilidade de devolver o imóvel por esses motivos, o beneficiário está colocando familiares para ocupar os imóveis.
Confira abaixo, Reportagem e imagens de Wellington Macedo:
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