No momento em que a greve em Salvador (BA) atinge sua tensão máxima, policiais e bombeiros do Rio de Janeiro ameaçam cruzar os braços nesta sexta-feira – a uma semana do carnaval e em um período em que a cidade está repleta de turistas.
Assim como na Bahia, o que está em jogo no Rio é um impasse nas negociações sobre reajuste de salários. Representantes de três categorias estão em contato permanente para articular os próximos passos da manifestação. Bombeiros e policiais civis e militares definirão nesta quinta-feira, em uma assembleia na Cinelândia, no centro da cidade, se entrarão em greve (apesar de isso já ser dado como certo pelas lideranças). O objetivo dos manifestantes é levar 100 mil pessoas à praça, usando, para isso, famílias dos servidores.
Nesta terça-feira, viaturas da PM fluminense entregaram, em delegacias da Polícia Civil, cartazes impressos em papel tamanho A4 convocando para a assembleia do dia 9, às 18h. “Juntos somos fortes”, diz o cartaz, que tem, nesta frase, as letras “O” substituídas por emblemas das três instituições (bombeiros, PM e Polícia Civil).
Uma comitiva com bombeiros e policiais civis viajou nesta terça-feira para a Bahia com o objetivo de encontrar com os manifestantes de Salvador. Entre os líderes do Rio, estava o cabo Benevenuto Daciolo, do Corpo de Bombeiros, principal autor da série de protestos ocorrida em 2011. “Eles (policiais baianos) nos ligam todos os dias”, diz cabo Laércio Soares, do Grupamento Marítimo dos Bombeiros, que também esteve à frente dos movimentos da corporação por aumento salarial, em 2011. A garantia dada pelas lideranças fluminenses é de que ninguém pegará em armas e não serão repetidas ações como a invasão de prédios públicos – como houve no ano passado. “Somos mansos, pacíficos e ordeiros. Não iremos buscar confronto, mas dignidade”, afirma Laércio.
A rede de comunicação entre os militares ultrapassa a rota Rio-Bahia. Espírito Santo, Brasília e Ceará também fazem parte da teia de apoio. E às lideranças do Rio de Janeiro chegou a informação de que os brasilienses também pensam em entrar em greve ainda esta semana. O que une os policiais em interesse, mas ainda não em um movimento efetivo de reivindicação, é a PEC 300, que prevê equiparação salarial com os militares de Brasília – o maior valor do Brasil. Os manifestantes já cogitam a articulação de uma entidade nacional para expandir os protestos.
Bombeiros reuniram-se com o Batalhão de Operações Especiais e com o Batalhão de Choque da PM para tratar da greve. A informação passada pelos organizadores da greve é de que as duas forças especiais estão preparadas para aderir ao movimento. “Serviços essenciais serão mantidos. Mas não garanto os 30% (do efetivo). Acredito em 90% em greve e só com serviço essenciais”, afirma Laércio. Já o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Rio (Sinpol), Fernando Bandeira, assegura que os 30% do efetivo serão mantidos durante a greve. As atenções da polícia estarão voltadas, sobretudo, para casos mais graves, como flagrantes, sequestro e investigações de homicídios. “Não queremos a greve pela greve. Queremos que o governo venha conversar conosco”, afirma Bandeira.
O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou nesta terça-feira que receberá as reivindicações dos policiais. “Minha postura sempre foi de receber até porque sou um policial”, afirmou em entrevista coletiva. No caso dos bombeiros, o comando fica sob o controle do secretário de Defesa Civil, Sérgio Simões, que deverá cuidar das mesmas reivindicações. No ano passado, o governador Sérgio Cabral não recebeu as lideranças do movimento, o que gerou uma onda de revolta ainda maior.
“Tenho o maior respeito pela instituição policial, mas a maneira de se conseguir as coisas na vida parte da ordem e do diálogo”, disse Beltrame. O secretário lembrou que em 2012 e 2013 os policiais receberão aumento de mais de 36%. “De janeiro de 2007 até 2013 (gestão de Cabral) o aumento passará de 100%. O problema talvez não se dê pelos percentuais. Tem que perceber que existe um hiato grande na capacidade de compra dos policiais”, argumentou. Para Beltrame, se o aumento tivesse começado a ser dado há mais anos, essa situação de greve iminente não estaria acontecendo.
Para acalmar a população, o secretário afirmou haver mais de um plano de contingência para o caso de os policiais cruzarem os braços na sexta. “O compromisso da secretaria de Segurança é o interesse público, a paz e a manutenção da ordem. Que a sociedade fique tranquila porque temos mecanismos para prover o que é nossa obrigação”, assegurou.
Os militares – bombeiros e PMs – reivindicam aumento do piso salarial de 1.265,55 (valor que ganha um soldado sem dependentes) para 3.500 reais, elevação do vale-transporte de 100 reais para 350, auxilio alimentação e estabelecimento da carga de 40 horas de serviço por semana. “A questão salarial na segurança pública é um problema nacional”, argumenta Laércio.
A Polícia Civil pede vinculação do salário dos servidores ao do delegado, plano de saúde, incorporação da gratificação ao salário e redução das parcelas do reajuste, que seria escalonado até 2014, pelo plano de recomposição salarial dos bombeiros. “Quem trabalha nas delegacias legais recebe gratificação de 850 reais. Se o policial sair de lá, perde esse bônus. Hoje, cerca de 40% dos policiais civis recebem essa gratificação e não quer se aposentar para não perdê-la. Há policiais que se aposentam e vão fazer bico aos 70 anos”, argumenta Bandeira.
A aproximação da data marcada pelos sindicatos para a paralisação dos policiais pôs a cúpula da segurança e o próprio governador Sérgio Cabral em alerta. Ao longo da semana, Cabral expôs, em suas aparições públicas e por sua assessoria, os números do reajuste de salário de policiais desde que assumiu o Palácio Guanabara, em 2007. Considerando os aumentos previstos em 2012 (12%, já antecipado pelo governo do estado) e 2013 (24%), o governo do estado chega a um reajuste total de 107% desde o início da era Cabral. O Palácio Guanabara também expõe as despesas com pessoal na PM fluminense, que eram de 916 milhões de reais/ano em 2006 e chegam a 2012 com 2,3 bilhões de reais – aumento de 158%. É preciso considerar, no entanto, que o número de PMS também cresceu, repartindo o bolo.
Gratificações
Para elevar os vencimentos dos policiais, o governo do estado do Rio tem recorrido a gratificações. Com isso, economiza tanto por evitar o inchaço da folha de pagamento como com a possibilidade de colaboração de outros entes públicos. Os policiais que integram as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), por exemplo, recebem 500 reais de gratificação – 1.000 reais para o comandante de cara unidade. Este dinheiro é um compromisso da prefeitura com o estado, ou melhor: do prefeito Eduardo Paes com o governador Sérgio Cabral, aliados de primeira hora. Os soldados da PM têm ainda a opção de incluir R$ 350,00 ao salário final, com a gratificação disponível para quem se inscreve em cursos de qualificação.
Assim, o salário de ingresso de ingresso na PM fluminense, que é de 1.669,33 reais, pode passar a 2.169,33 reais. O complicador é que as gratificações não atingem toda a corporação: são restritas a quem atua na atividade fim (policiamento e cargos em batalhões operacionais) e excluem os inativos.
Fonte: Veja