Ao longo deste ano, o presidente interveio ou descartou propostas da equipe econômica. Bolsonaro vetou, por exemplo, a recriação da CPMF, deixou militares fora da reforma da Previdência e chegou a ameaçar mudar o teto de gastos públicos – algo impensável para um “Chicago Boy”, como Guedes.
Ainda assim, o ministro, que ameaçou algumas vezes deixar o cargo nos primeiros meses do governo, agora diz que está na corrida para ficar. “Enquanto o presidente confiar em mim, eu estarei lá”, disse em uma entrevista em seu escritório. “Ele me deu cinco ministérios, eu tenho uma equipe maravilhosa e ele nos deu um escudo para trabalhar.”
Membros da equipe econômica dizem que Guedes se acostumou com o estilo do presidente e quer permanecer no cargo para deixar o legado de uma política que ele defende desde os anos 80. Para além da reforma da Previdência, isso inclui um amplo programa de privatizações e a contenção da bola de neve do endividamento público.
“As taxas de juros despencaram depois que assumimos e dissemos que iríamos manter o teto de gastos. Demos um basta nos gastos públicos e agora vamos reduzir impostos e o custo da energia”, disse o ministro.
Longa espera
“Ele esperou 30 anos por esse momento”, disse Fabricio Taschetto, sócio e diretor de investimentos da Ace Capital. “Desde a redemocratização, o Brasil implementou o oposto das políticas em que Paulo Guedes acredita. Agora é o momento de implementar suas ideias e ver o resultado.”
Os investidores agora comemoram o avanço com a reforma da Previdência, mas também querem ver resultados em outras áreas. A recuperação da economia, por exemplo, ainda é tímida e a taxa de desemprego está em dois dígitos. Mas Guedes afirma que “não tem pressa”.
O mais importante é que a economia brasileira cresça de maneira saudável, acrescentou, dizendo que o presidente concorda com sua posição, apesar da pressão para mostrar resultados. “Todos os políticos estão com pressa”, disse. “O presidente entende que, se estivermos com pressa agora, podemos acabar como a Argentina.”
Nem todo mundo, no entanto, é tão otimista. “Até agora, a agenda econômica avançou muito pouco além da reforma da Previdência. Esse é o maior problema “, disse Richard Back, chefe de estratégia política da América Latina na XP Investimentos.
Pressão
Ainda assim, o que os investidores temem acima de tudo é uma saída repentina de Guedes. Alberto Ramos, economista-chefe da América Latina no Goldman Sachs Group Inc., o chama de “ponto de referência para a política econômica brasileira”. Taschetto diz que toda a agenda econômica do governo depende do ministro e alerta que sua saída provocaria um “colapso total”.
A pressão sobre o ministro está aumentando à medida que Bolsonaro fica impaciente com a recuperação lenta da economia e com a falta de recursos disponíveis para investimento público, de acordo com um membro de sua equipe que pediu anonimato para falar livremente.
A resposta de Guedes, segundo a pessoa, é que os resultados estão começando a aparecer e que agosto – quando o índice de atividade econômica do Banco Central subiu apenas 0,07% em relação ao mês anterior – pode ter sido o ponto mais baixo. Por enquanto, Bolsonaro continua, em suas próprias palavras, “100%” comprometido com seu ministro.
Se não faltam fãs de Guedes no mercado financeiro, no Congresso ele tem menos amigos. Seu estilo explosivo lhe rendeu rusgas com parlamentares. Em uma audiência na Câmara, ele quase foi às vias de fato com o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), que o acusou de ser “tchutchuca” com os ricos e “tigrão” com os pobres.
Desta forma, Guedes não seria a pessoa mais indicada para vender a agenda econômica do governo no Legislativo. Mas a relutância de Bolsonaro em desempenhar esse papel significa que Guedes acaba tendo que entrar em campo, segundo Richard Back.
CPMF
Uma divergência entre Bolsonaro e a equipe de Guedes sobre a recriação da CPMF, por exemplo, acabou adiando a apresentação da proposta do governo para a reforma tributária – um dos pilares da política econômica além da reforma da Previdência. Na ausência de um plano do Executivo, o Senado e a Câmara já estão debatendo suas próprias propostas, deixando Guedes e sua equipe fora dos holofotes por enquanto.
Outra área política importante – o limite constitucional para gastos públicos – também se tornou um ponto sensível. O presidente sinalizou repetidamente sua frustração com a regra que muitos investidores consideram essencial para garantir a credibilidade da política fiscal.
Alarmado, Guedes ligou para Bolsonaro para dizer que a redução do limite de gastos prejudicaria a imagem do país entre os investidores. O ministro argumentou que o presidente deveria apoiar a ideia de desvincular o Orçamento federal. Atualmente, mais de 90% dos gastos primários de R$ 1,4 trilhão são obrigatórios.
Essa será a próxima proposta a ser encaminhada ao Congresso, já na semana que vem. Segundo o ministro, trata-se de um conjunto de medidas que vão dar mais flexibilidade para a alocação de recursos públicos. Entre elas está a criação de um arcabouço legal para que estados, municípios ou a própria União possam adotar medidas duras de ajuste fiscal, como cortar jornada e salário de servidores, quando suas contas estiverem desequilibradas.
Guedes gosta de recorrer a uma metáfora testada e comprovada para explicar por que reanimar o leviatã do estado brasileiro é um processo tão doloroso. “Eles arpoaram uma baleia por 40 anos”, disse. “Eles fizeram sangrar até quase morrer. Até agora, acabamos de retirar um arpão: pensões. Vamos continuar fazendo isso.”
* Bloomberg Brasil - Infomoney
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